Artigo do juiz federal Dr. Sérgio Wanderley em comemoração aos 33 anos da Constituição Federal

Imagem: Dr. Sérgio Wanderley

Fonte: JFAL

A AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS PARA O PROVIMENTO DO CARGO DE DESEMBARGADOR

FEDERAL DE CARREIRA ANTE A CONTRARIEDADE DO ARTIGO 107 DA CONSTITUIÇÃO A PRINCÍPIOS

NUCLEARES DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

Sérgio José Wanderley de Mendonça

Juiz federal/SJ/AL

05/10/2021

Neste 05 de outubro comemorativo dos 33 anos da Constituição Federal de 1988 renovo a abordagem acerca da necessidade do reconhecimento da autonomia dos Tribunais Regionais Federais para o provimento de seus cargos de carreira (Desembargador), e o faço porque a negação de isonomia com os Tribunais de Justiça, além de

constitucionalmente aberrante, configura clamorosa injustiça com a instituição que integramos.

A Justiça Federal é referência de eficiência, probidade, competência e modernidade, não se justificando que os Tribunais de Justiça tenham independência e autonomia para proverem seus cargos da magistratura de carreira, conforme disposto nos artigos 96, I e 99 da Constituição Federal de 1988, e os TRFs, assim como os TRTs, estejam despidos de tal autonomia, sujeitando-se, no provimento de seus cargos de carreira, a interferência do Presidente da República, na escolha e nomeação, e da classe política, nas gestões voltadas a tal escolha.

A maior e mais importante conquista do Poder Judiciário na Constituição de 1988 foi justamente o desatrelamento do Poder Executivo no provimento de seus cargos de carreira, reservando-se a este a interferência apenas no quinto constitucional da OAB e Ministério Público. Os Governadores dos Estados e a classe política em geral se opuseram

fortemente a esta independência e autonomia na Assembleia Constituinte de 1988, todavia, os argumentos magnos da separação dos poderes, independência e autonomia dos Tribunais triunfaram.

Desembargadores dos Tribunais de Justiça passou a ser assunto interna corporis do Tribunal, cujos membros se reúnem, avaliam atuações, escolhem em lista três juízes, e, logo em seguida, o Presidente do Tribunal de Justiça nomeia Desembargador o mais votado pelos seus pares. O Governador do Estado apenas comparece para cumprimentar o novo Desembargador em sua posse.

E isto é o constitucionalmente correto porque, se o judiciário não participa nem nomeia qualquer integrante dos cargos de carreira dos Poderes Legislativo e Executivo, sobrelevam razões para que estes não o façam em relação aos cargos de carreira do Judiciário (carreira exclui STF, STJ, TST e STM).

A propósito, os Tribunais Regionais Federais, assim como os Tribunais de Justiça, são órgãos jurisdicionais de segundo grau, estruturados na denominada carreira da magistratura. Seus membros têm ingresso na carreira através de concurso público de provas e títulos nos cargos de juízes substitutos. Posteriormente avançam na carreira, em promoções por

antiguidade e merecimento, nos cargos de juízes titulares. Por fim, encerrando a carreira da magistratura, ocorre a investidura nos Tribunais de segundo grau, também pela via da promoção por antiguidade ou merecimento. Nesta última, os juízes inscritos à promoção terão suas trajetórias nos longos anos de vida profissional avaliadas pelos Desembargadores, analisando desempenho, metas, disciplina, aperfeiçoamento, dentre outros critérios meritórios.

Todo este procedimento deve operar-se na própria “trilha”, “estrada” ou carreira da magistratura, com a decisão final sobre o mérito operando-se dentro da própria “trilha”, ou seja, pelo próprio judiciário. Se a decisão final for procedida, direta ou

indiretamente, por representantes doutros poderes, tal como ocorria com os TJs antes da CF/88, e ainda subsiste nos TRFs, além das graves imperfeições e vícios constitucionais, haverá a desfiguração ou descaracterização dos aspectos meritórios apurados pelo Tribunal ao longo da carreira, haja vista que, na decisão final por Poder estranho ao Judiciário, as questões meritórias terão seu significado reduzido ou desconsiderado.

Por tudo isto é que a investidura nos TRFs deve operar-se de modo similar a dos TJs, não podendo assemelhar-se ao modelo constitucional previsto para investidura no Supremo Tribunal Federal, nem nos Tribunais Superiores (STJ, TST, STM), porque estes não são Tribunais de carreira. O artigo 107 da Constituição Federal de 1988, embora produto de um descuido ou desatenção redacional do legislador constituinte, não deixa de representar um triste resquício dos séculos de interferência de Presidentes e Governadores nos cargos de carreira da magistratura, que, em passado mais

longínquo, ocorria até mesmo com a nomeação de juízes de 1º grau.

E para se ter uma ideia do rematado absurdo e da elevada ofensa constitucional que é a “nomeação Presidencial” nos cargos de carreira da magistratura, basta simplesmente imaginar o despautério que seria caso o Poder Judiciário

nomeasse, por exemplo, oficiais da carreira militar (Coronéis, Generais, etc.) ou servidores da carreira diplomática (Secretários, Conselheiros, Embaixadores).

Seria a negação das carreiras! Lamentavelmente, a consagração constitucional da autonomia dos Tribunais aparentemente não ocorreu em sua plenitude, pois, ao tratar dos Tribunais Regionais Federais, o legislador constituinte, por mero descuido e desatenção, e certamente influenciado pela novidade da criação dos TRFs e pelos longos anos em que os chefes do Executivo escolhiam juízes de carreira em listas tríplices, deixou escapar do artigo 107 da Constituição

Federal a autonomia dos novos TRFs para o provimento de seus cargos de carreira, tendo, paradoxalmente a atmosfera democrática de separação e independência dos poderes estatais, não estendido a autonomia aos TRFs, condicionando a investidura em seus cargos a elaboração de lista tríplice a ser encaminhada ao Presidente da República para escolha e nomeação do Desembargador.

Houve, assim, um manifesto paradoxo constitucional, pois o mesmo Texto Supremo que avançou na independência do Judiciário, conferindo autonomia aos Tribunais de Justiça para a nomeação de seus Desembargadores de carreira, criou os TRFs mantendo o critério vetusto do atrelamento ao chefe do Executivo nas promoções de juízes federais aos

TRFs.

E assim transcorreram estes 33 anos de vigência da Constituição de 1988, convivendo a Justiça Federal com esta situação de inferioridade institucional em relação a Justiça dos Estados, sem que se atentasse para a fragilidade e a descontextualizacão da previsão da “escolha Presidencial” e, notadamente, para a incompatibilidade desta norma isolada com preceitos expressos e princípios da Constituição Federal que tratam da independência e autonomia dos Tribunais de segundo grau para o provimento de seus cargos da magistratura de carreira.

Inobstante o longo tempo transcorrido, recordo o adágio segundo o qual “um equívoco pode prevalecer por muito tempo, mas não durante todo o tempo”. É necessário firmeza e coragem para estabelecer a verdade constitucional, e isto não se me afigura difícil porque agora o caminho está facilitado porquanto já fora percorrido na Constituinte de 1988, quando da

penosa luta para romper com centenas de anos de atrelamento do Judiciário ao Executivo. A Justiça dos Estados triunfou e conquistou a autonomia, e o fez isoladamente porque, à época, não existiam os TRFs, somente criados

pela própria CF/1988.

Agora, em relação aos TRFs e TRTs, o reconhecimento da autonomia é apenas questão de lógica, de isonomia e prevalência dos princípios magnos da separação e independência dos poderes, bastando agora arguir-se a

inconstitucionalidade do próprio dispositivo da Constituição (art. 107), que, em relação aos TRFs, não atentou para a nova realidade constitucional do Judiciário, destacadamente a autonomia conferida aos Tribunais pelos artigos 96, I e 99 da Constituição, e que, reafirmo, por descuido legislativo, terminou por ser aparentemente negada aos TRFs.

A norma ou o artigo de lei é apenas a “vestimenta” dos princípios que consagra, sendo certo que o art. 96, I, ao dispor sobre os Tribunais, assentou que “compete privativamente aos tribunais prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição;”, ou seja, têm os Tribunais, por força de atmosfera democrática

de separação dos poderes e fortalecimento do Judiciário, autonomia para o provimento de seus cargos de magistratura de carreira (juízes e Desembargadores). Esta diretriz constitucional foi ratificada pelo art. 99 da Constituição de 1988, ao proclamar que “ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira”.

Assim, a autonomia aludida decorre, e deve prevalecer, sob pena de ofensa aos elevados princípios da separação e independência dos poderes, daí se depreendendo que tais normas têm ínsitas uma raiz principiológica extremamente forte, confirmando a sábia lição exegética no sentido de que as normas são apenas as “roupas” ou as “vestimentas” dos princípios.

A propósito, assinalo que as premissas e conclusões deste estudo estão apoiadas na teoria dos princípios, relembrando-me a preciosa lição de Celso Antônio Bandeira de Melo, quando diz que “o princípio é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o

espírito e servindo-lhe de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente para definir a lógica e racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e o sentido harmônico”.

Outrossim, e relembrando a máxima segundo a qual nenhuma interpretação pode conduzir ao absurdo, seria rematado absurdo imaginar-se que a autonomia dos Tribunais, consagrada no Texto Supremo, alcançaria apenas a Justiça Estadual, excluindo-se da Justiça Federal exatamente aquilo que é o selo característico da autonomia de um Tribunal, que é a prerrogativa de proceder a escolha e nomeação de seus magistrados de carreira.

O artigo 107 da Constituição, ao tratar da investidura nos TRFs, aludindo a anacrônica lista tríplice para escolha e nomeação pelo Presidente da República, nas promoções de juízes de carreira, incorreu na denominada

“inconstitucionalidade da própria norma constitucional”, que se configura quando um dispositivo constante da Constituição está em manifesta incompatibilidade e ofensa com outros preceitos e princípios nucleares e fundamentais do Texto Constitucional. O mencionado art. 107 colide com os artigos 96, I e 99 e, principalmente, com a atmosfera democrática de

separação dos poderes, independência, fortalecimento e autonomia do Poder Judiciário.

Observe-se que, ao se proceder a leitura e interpretação contextualizada do citado artigo 107 da Constituição (escolha e nomeação Presidencial de juízes de carreira), o confronto desta norma com os mutireferidos artigos 96, I e 99, e os poderosos princípios neles encartados (separação e independência dos poderes), logo se identifica a “gafe constitucional”, produto do descuido e desatenção involuntária do constituinte, influenciado pela novidade dos TRFs e pelos longos anos de interferência dos Chefes do Executivo no provimento de cargos da magistratura.

O Supremo Tribunal Federal já procedeu a uma correção importante no artigo 107 da Constituição, ao identificar em seu texto exatamente o alheamento ao artigo 93, concernente a estruturação da justiça federal em carreira. O descompasso e desarmonia observados recaiu na idade limite de 65 anos, previsto no art. 107 para as nomeações nos cargos de

Desembargadores dos TRFs. Proclamou o STF que, em atenção a carreira da magistratura, e suas implicações no sistema constitucional, dita limitação somente poderia alcançar os indicados pelo quinto constitucional, e não os

juízes federais de carreira, pois estes, por força do art. 93, enquanto estiverem na carreira podem ascender ao Tribunal a que pertencem.

O legislador constituinte não atentou que os Tribunais Regionais Federais são Tribunais de carreira, daí a importantíssima sinalização da Suprema Corte na correção e harmonia da norma com os princípios e preceitos estruturantes do Poder

Judiciário na CF/88.

Inobstante o passo inicial do STF, o art. 107 ainda não está plenamente contextualizado e em harmonia com o sistema constitucional. Por identidade de razões com a inaplicação da idade limite de 65 anos aos juízes de carreira, é necessário avançar-se na unidade do sistema, interpretando-se que a previsão de nomeações pelo Presidente da República

nos TRFs deve recair apenas aos indicados pelo quinto constitucional (OAB e MP), estando excluída em relação aos juízes federais de carreira, cujas nomeações deverão ser feitas pelo próprio Tribunal Regional Federal, no

exercício de sua autonomia.

Em suma, de acordo com as normas e os princípios contidos no capítulo da Constituição Federal que disciplina a estrutura, o funcionamento e a organização do Poder Judiciário, a prerrogativa dos Tribunais de segundo

grau de proverem os seus cargos de carreira é o selo característico da autonomia, sendo certo que nenhuma norma, nem mesmo quando disposta no texto da Constituição, poderá excluí-la. Ao fazê-lo, o artigo 107 incidiu em manifesta inconstitucionalidade por ofensa direta aos princípios constitucionais da separação dos poderes, independência e autonomia dos Tribunais, princípios estes tão magnânimos que foram erigidos a condição

de cláusulas pétreas da Constituição Federal.

Outro aspecto relevante a frisar-se é que a austera defesa e observância dos princípios constitucionais estruturantes do Estado Democrático de Direito (separação dos poderes, independência e autonomia dos Tribunais), reveste-se de natureza institucional, sobreexcedendo-se ao próprio Judiciário, haja vista que a Nação brasileira é a principal interessada

na autonomia de seus Tribunais federais de segundo grau.

Há, assim, autonomia plena dos Tribunais Regionais Federais na promoção de juízes federais e o respectivo provimento de seus cargos de Desembargador federal, sendo inconstitucional a escolha e nomeação pelo Presidente da República. Tal como ocorre nos Tribunais de Justiça desde 1988, havendo vacância em segundo grau, os Tribunais Regionais Federais publicarão edital, avaliarão o desempenho dos juízes federais inscritos, escolherão três nomes, concluindo o procedimento com o ato do Presidente do TRF procedendo a nomeação do Desembargador.

Ultimado o processo, o Tribunal Regional Federal ficará ainda mais fortalecido e engrandecido. Vejo aproximar-se o momento oportuno para a verdade constitucional e o justo reconhecimento da autonomia dos TRFs. A criação

do TRF/6ª, e a provável ampliação dos cinco existentes, implicará o provimento conjunto e simultâneo de mais de 100 cargos de Desembargador federal, com mais de 100 listas tríplices com os nomes de mais de 300 juízes

federais em atuação nas cinco regiões geográficas do país. Haverá, caso não prevaleça a autonomia dos TRFs, e pelo quantitativo e simultaneidade dos cargos a serem providos, uma gigantesca movimentação política pela escolha

e nomeação pelo Presidente da República, contexto este que logo evidenciará à comunidade jurídica, política e a sociedade em geral que o não tratamento isonômico com a magistratura dos Estados é sobretudo injusto, ilógico,

infundado e desarrazoado.

Por tudo isto é que preocupa-me o silêncio de grande parte dos juízes e também da associação nacional (AJUFE) e das regionais. A autonomia aspirada é constitucional, democrática, legítima e justa, e sua condução 10 deverá operar-se com naturalidade, tranquilidade e bastante confiança, pois não aspiramos nenhuma novidade, mas sim a aplicação e extensão da grandiosa novidade introduzida nos Tribunais de segundo grau e na carreira da magistratura pelo Constituinte de 1988. Implementada desde 1988 na carreira dos magistrados estaduais, não o foi na Justiça Federal pelo apego a

literalidade de um preceito isolado e completamente descontextualizado e dissociado da sistemática constitucional introduzida em 1988, ensejando ofensa a unidade da magistratura (nacional) e, reafirmo, aos princípios fundamentais da separação dos poderes, independência e autonomia dos Tribunais no provimento de seus cargos de carreira.

A questão pode até parecer complexa, mas esta impressão logo se desfaz diante do oceano de constitucionalidade, legitimidade e justiça de aspiração. O adiamento, para mim, é algo extremamente nocivo a vida das pessoas e também das instituições, e, como a verdade um dia sempre prevalecerá, penso que caso haja a percepção do acerto destas singelas ponderações, o erro não poderá empedernir-se, aliando-se ao adiamento.

A aspiração em epígrafe poderá até não triunfar nessa ocasião, mas a austera e intransigente defesa da autonomia dos Egrégios Tribunais Regionais Federais, com a demonstração de que dita defesa sobreleva-se até ao próprio interesse de ascensão na carreira, elevará ainda mais a admiração e o respeito da sociedade brasileira pela Justiça Federal de primeiro e segundo graus.

Por: ASCOM
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